Quando partes interessadas manifestam intenção de contratar um negócio entre si, mas não querem que todos os seus efeitos se operem de imediato, sejam em razão da necessidade de se remover alguns impedimentos como, por exemplo, aguardar uma situação econômica melhor ou obter melhores estudos como uma due diligence, acabam por não realizar o negócio de forma definitiva, partindo para uma contratação preliminar, sendo que tal instituto possui previsão legal no Código Civil. 

No caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), os interessados firmaram contrato preliminar. Uma das cláusulas desse contrato dizia que os compradores da empresa seriam responsáveis por pagar qualquer dívida trabalhistas e tributárias existente ou a ser apuradas e seriam responsáveis a reembolsar os valores pagos pelos vendedores no prazo de 30 (trinta) dias. 

Ocorreu que, na formalização do contrato definitivo, houve a inversão da ordem de responsabilidades pelo passivo trabalhista. Agora, essa responsabilidade passou para os vendedores, ao invés dos compradores como estava no contrato preliminar. Os recorrentes defendem que a proposta feita no contrato preliminar deveria prevalecer sobre o contrato definitivo. 

Pois bem, a Terceira Turma do STJ, ao analisar o caso, tendo como Relator o Ministro Moura Ribeiro, entendeu que é impossível “conferir maior eficácia jurídica ao contrato preliminar que ao definitivo, sobretudo quando as partes, nessa nova avença, pactuaram obrigações diametralmente opostas e desautorizam, expressamente, os termos da proposta original”. 

Embora pareça óbvio que o contrato definitivo prevalece sobre o preliminar, a decisão vai além disso. Não se trata apenas do fato de que o contrato preliminar simplesmente autoriza uma das partes a exigir o contrato definitivo se a outra parte não agir, conforme regra disposta no artigo 463 do Código Civil, mas reforça a autonomia das partes e o princípio da liberdade contratual. 

De acordo com o voto do Relator, o Ministro Moura Ribeiro, o disposto no artigo 463 do Código Civil, além de prever a exigência de celebração do contrato definitivo, comenta que: “O dispositivo em comento não impede que as partes, por ocasião da celebração do negócio definitivo, de comum acordo, suplantem acordos anteriores e disponham em sentido diverso do que inicialmente planejado, até porque isso seria contrário ao princípio da liberdade contratual”. 

Fazendo uma analogia entre a sucessão de leis e os contratos, onde, da mesma forma que uma lei pode ser total ou parcialmente revogada por outra, o mesmo ocorre com os contratos. Assim, prossegue o Ministro em seu voto argumentando que “A autonomia da vontade das partes pode, em qualquer caso, desconstituir obrigações anteriormente assumidas - contrarius consensus”, bem como se “Nos termos do art. 2º da LINDB, a lei posterior revoga (ou derroga) a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria. Da mesma forma, o contrato posterior, porque estabelece norma entre as partes, também pode revogar ou derrogar ajuste anterior quando for com ele incompatível ou quando expressamente o declare”. 

A decisão proferida pela Terceira Turma do STJ, não diz somente o óbvio, como se pode crer à primeira vista, mas reforça a autonomia da vontade das partes e a liberdade contratual, relativizando a intervenção excessiva nos contratos privados, mais especificamente nos contratos empresariais. Ademais, como mencionado no exemplo da existência de uma due diligence no início do texto, nada impede que no contrato definitivo, as partes possam acrescentar novas cláusulas e excluir outras, assumir novos compromissos, alterar a forma de pagamento, entre outras possibilidades. 

À propósito, considerando que a autonomia privada decorre da liberdade contratual como o poder de escolher o negócio a ser celebrado e o conteúdo de suas cláusulas, na decisão em questão, verifica-se a crucial necessidade de que todas as partes envolvidas em uma negociação tenham total conhecimento das cláusulas contratuais e, principalmente, a compreensão de suas consequências de forma preventiva, prevalecendo sempre a real vontade das partes, trazendo maior segurança para os envolvidos e afastando incertezas na solução de eventuais conflitos, ou melhor ainda, evitando-os. 

Marco Aurélio F. Yamada

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